Auroras Boreais: a luz que agracia a noite nos pólos (mas não só)

As auroras têm sido vistas em locais menos habituais — mais perto dos trópicos — graças a fortes tempestades solares que desencadeiam este fenómeno. Ao longo do último ano, auroras cintilantes visitaram, atipicamente, os céus portugueses com tons de rosa, roxo, verde e azul. Como se formam as luzes dançantes e por que pintaram, por várias vezes, os nossos céus tão a sul do Pólo Norte?

Desenvolvido por Inês Moura Pinto | 2 de setembro de 2025

As auroras são feixes de luz brilhantes que pintam os céus noturnos das regiões polares da Terra. A norte são boreais, a sul astrais. As “luzes dançantes”, como também são carinhosamente apelidadas, são causadas por tempestades magnéticas derivadas da atividade solar — como erupções solares (explosões no sol) ou ejeções de massa coronal (bolhas de gás ejetadas). Carregue nos sinais para saber mais.

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Partículas carregadas (eletrões e protões), provenientes destes eventos, são transportadas rapidamente pelo vento solar. O campo magnético da Terra — ou magnetosfera — forma uma barreira invisível que redireciona o vento solar à volta do planeta, arrastando e esticando as linhas do campo e causando subtempestades. Quando as linhas ressaltam, como um elástico, projetam as partículas carregadas em direção à superfície da Terra.


Segue-se uma colisão com as partículas de oxigénio e azoto na atmosfera fina e alta da Terra. À medida que estas partículas de ar libertam a energia que captaram na colisão, cada átomo começa a cintilar com uma cor diferente. Os milhares de milhões de flashes, em sequência, fazem parecer que as auroras se estão a mover, a dançar no céu.


As auroras ocorrem principalmente a altitudes entre os 100 e os 300 quilómetros na atmosfera, mas podem, por vezes, alcançar altitudes de até 600 quilómetros do solo. Por norma, são mais comuns perto dos equinócios da primavera e do outono. No entanto, é no inverno que mais contrastam, já que o céu noturno é mais escuro. Além disso, quanto mais intensa é a atividade solar, mais deslumbrantes são as luzes e mais se deslocam dos pólos.

Avistamentos no mundo

Como as vemos tão a sul?

O sol está no auge do seu ciclo de 11 anos, ao longo dos quais se intensifica gradualmente a atividade. A maior frequência de tempestades e fenómenos luminosos no último ano é, precisamente, um sintoma disso. O 25.º ciclo solar termina em 2025, mas o pico da atividade solar só será conhecido depois de acontecer.

Mas, a que se deve a "migração" das auroras? Em 2024, foram avistadas em vários países do hemisfério norte, tão distantes do Pólo Norte como o México ou as Canárias. Filipa Barros explica que o pólo magnético da Terra mudou cerca de mil quilómetros nos últimos trinta anos, naturalmente, à medida que o ciclo magnético da Terra progride. “É algo significativo”, considera a investigadora que foi até à Noruega precisamente para estudar a mudança geográfica das auroras boreais.

As conclusões preliminares não surpreendem. “Nota-se realmente que elas estão a mover-se um pouco para sul, como esperado, de acordo com o movimento do pólo geomagnético”, confirma a doutoranda do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço. A investigação procura uma correlação entre dados recolhidos do vento solar e da superfície terrestre, e conta com a Inteligência Artificial para mapear autonomamente as auroras.

Ao longo do ano passado, várias cidades portuguesas testemunharam as auroras boreais. A Internet inundou-se de fotografias dos céus cor de rosa para os lados da Guarda, Viseu, Figueira da Foz, Coimbra e até Portalegre. Carregue nos alfinetes das cidades para ver os momentos captados pelo país.

F I G U E I R A D A F O Z V I S E U P O R T AL E G R E G U A R D A C O I M BR A V I A N A DO C AS TE L O Á G U E D A
Aurora Image

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Para o astrónomo José Augusto Matos, 2024 foi um ano excecional. É muito raro verem-se auroras boreais em Portugal. Mas a forte atividade solar, com grandes emanações de matéria e partículas que atingiram a Terra com grande intensidade, tem permitido o fenómeno em latitudes mais baixas. “Por acaso calhou acontecer, elas têm sido lançadas em direção à Terra. Nem sempre acontece”, ressalva o membro da Associação de Física da Universidade de Aveiro (FISUA).

Os ciclos solares não são todos iguais. Uns têm picos mais intensos do que outros, e a atividade ao longo do tempo também pode variar. Ao aproximar-se o fim deste ciclo, é provável que as auroras boreais sejam novamente visíveis.

Como variam as cores?

Vários fatores condicionam a cor das auroras, como a composição gasosa e a densidade da atmosfera, a altitude a que ocorre e o nível de energia envolvida. De acordo com a NASA, a interação com oxigénio e nitrogénio pode gerar luzes verdes, vermelhas e azuis; e a combinação de diferentes concentrações dos gases pode resultar em roxas, rosa e brancas.

Arraste um átomo de oxigénio (O) ou nitrogénio (N) para dentro do rectângulo e veja o resultado, de acordo com a altitude

O
N
300–400 km
100–300 km
0–100 km

Aprender com o apagão de há 166 anos

As tempestades solares podem interromper temporariamente a energia e as comunicações, razão pela qual, antes de uma explosão solar, a agência norte-americana para os Oceanos e a Atmosfera (NOAA) alerta os operadores de centrais elétricas e naves espaciais em órbita.

Em maio de 2024, a NOAA emitiu um aviso raro de tempestade geomagnética severa. A tempestade que atingiu a Terra foi a mais forte em mais de duas décadas, produzindo auroras boreais em todo o hemisfério norte. Foram avistadas em Portugal nos dias 11 e 12.

Mas nem todas as manifestações durante as tempestades são inofensivas. Para compreender a fragilidade da tecnologia perante a energia solar, temos de recuar dois séculos. Até setembro de 1859. Quando uma tempestade solar massiva atingiu a Terra, perturbando aparelhos elétricos e telégrafos por todo o Mundo. Foram registados choques elétricos em operadores de telégrafos e até incêndios provocados por curtos-circuitos na rede.

Richard Carrington documentou a tempestade. O astrónomo observou o aparecimento de manchas na superfície solar, das quais saiu um flash brilhante repentino. Era uma erupção. No mesmo dia, fortes auroras radiantes agraciaram os céus tão a sul como na Colômbia, na América do Sul, e tão a norte como em Queensland, na Austrália. A relação entre as auroras e a atividade solar era ainda desconhecida.

Evento de Carrington
Desenhos de Richard Carrington onde são visíveis as manchas, onde surgiu a erupção solar (A) e onde desapareceu (B). Foto: Revista American Scientist, Vol. 95

O Evento de Carrington abriu caminho para a atual compreensão das tempestades geomagnéticas e do sol. Na altura, a tecnologia estava numa fase embrionária. Se acontecesse hoje, “seria catastrófico”. José Augusto Matos teoriza um cenário de apagão total, com consequências muito graves para a sociedade — com impacto em satélites no espaço, e em redes de energia ou comunicações na Terra.

Em termos práticos, sistemas de navegação ou comunicação poderiam ficar comprometidos, poderia deixar de ser possível pagar as compras com cartão, levantar dinheiro de um multibanco, ou até carregar um carro elétrico.

“Neste momento, perante a atividade solar que existe, não conseguimos prever se pode ou não acontecer um evento dessa dimensão. Quando analisamos os ciclos solares dos quais temos registos, vemos que esse tipo de evento, como aconteceu no século XIX, é uma coisa raríssima”, analisa, acrescentando que também depende se atinge, ou não, a Terra. Porém, nunca estamos livres de tal se repetir.